terça-feira, janeiro 30, 2007

Situação social brasileira vista da prisão

Esta posta foi-me enviada por mail por o Petro. O que vão ler é referente ao Brasil mas podia ser muito bem ser referente a Portugal! No caso do Brasil as consequências são maiores pois os problemas também são maiores mas no entanto não deixa de haver paralelos gritantes entre a situação de um país e outro. Aqui vai:

" Entrevista dada ao Jornal O GLOBO por "Marcola", o
líder do PCC. Colunista: Ronaldo Jabor

NOTA: Marcola é o chefe dos "gangs" brasileiros que
puseram S. Paulo a ferro e fogo.

- "Você é do PCC?"

- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu
era pobre e invisível... vocês nunca me olharam
durante décadas... E antigamente era mole resolver o
problema da miséria... O diagnóstico era óbvio:
migração rural, desnível de renda, poucas favelas,
ralas periferias. A solução que nunca vinha... Que
fizeram ?Nada. O governo federal alguma vez alocou uma
verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no
morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos
morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos
ricos com a multinacional do pó. E vocês estão
morrendo de medo... Nós somos início tardio de vossa
consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na
prisão...



- Mas... A solução seria...

- Solução? Não há mais solução, cara... A própria
ideia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho
das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por
cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria
com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente,
com um governante de alto nível, uma imensa vontade
política, crescimento económico, revolução na
educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a
batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que
pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que
passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você
acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão
roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede
punições. Teria de haver uma reforma radical do
processo penal do país, teria de haver comunicação e
inteligência entre polícias municipais, estaduais e
federais (nós fazemos até Conference Calls entre
presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares
e implicaria numa mudança psicossocial profunda na
estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não
há solução.



- Você não têm medo de morrer?

- Você é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui
na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu
posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos
homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba...
Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem
e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única
fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros
bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um
drama cristão numa cama, no ataque do coração... A
morte para nós é o presunto diário, desovado numa
vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de
classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é:
chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam
esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu
leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus
soldados todos são estranhas anomalias do
desenvolvimento torto desse país. Não há mais
proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma
terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama,
se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando
nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas
brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês
não ouvem as gravações feitas "com autorização da
Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de
uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera
uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia,
satélites, celulares, Internet, armas modernas. É a
merda com chips, com megabytes. Meus comandados são
uma mutação da espécie social, são fungos de um grande
erro sujo.



- O que mudou nas periferias?

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem
US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40
milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a
polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário
vacila, é despedido e jogado no "microondas"... Ha,
ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por
incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão.
Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em
terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não
tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem
armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no
ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de
humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos
transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês
de palhaços. Nós somos ajudados pela população das
favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados.
Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e
produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos
de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem
assim que passa o surto de violência.



- Mas o que devemos fazer?

- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões
do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até
ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e
armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que
grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos
recrutas... O país está quebrado, sustentando um
Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda
aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil
picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV?
Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há
perspectiva de êxito... Nós somos formigas
devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem
até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns
Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando
bomba atómica nas favelas... Aliás, a gente acaba
arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas
mesmo... Já pensou? Ipanema radioativa?



- Mas... não haveria solução?

- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem
de defender a "normalidade". Não há mais normalidade
alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da
própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa...
na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só
que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a
merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui,
mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não
entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o
divino Dante: "Lasciate ogni speranza voi che
entrate!" -Percam todas as esperanças. Estamos todos
no inferno. ""

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